O Núcleo

O Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais (NPMS), fundado em 1983, faz parte da Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Participação e Democracia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina / UFSC.

Os objetivos do NPMS são:

a) investigar sistemática e comparativamente os referenciais teóricos e metodológicos disponíveis na área de Movimentos Sociais, da Participação e da Democracia;

b) promover pesquisas teóricas e empíricas nesse campo temático, com ênfase na identificação de alternativas de mudança social nos diferentes âmbitos – local, regional e global – baseadas nos princípios básicos da igualdade e da liberdade democrática.

Tomando o quadro de atividades e interesses mais gerais, os estudos e pesquisas desenvolvidas no Núcleo têm se concentrado: a) na estrutura interna, nas dinâmicas e redes de atuação da sociedade civil e dos movimentos sociais no contexto das transformações ocorridas na cultura política brasileira nas últimas décadas, especialmente no processo de democratização e globalização; b) nas análises sobre as diferentes modalidades de interfaces socioestatais, com destaque às instituições participativas a exemplo de Conselhos Gestores, Orçamentos Participativos e Conferências; c) nos estudos e pesquisas sobre a problemática da exclusão/inclusão em suas múltiplas dimensões; e d) nas investigações acerca da temática da cultura política, em especial do associativismo, do ativismo político, dos processos de politização e do comportamento eleitoral.

As/os docentes e pesquisadores associadas/os ao Núcleo realizam trabalho permanente de revisão crítica e atualização de referências teóricas, visando contribuir para o refinamento daquelas correntes interpretativas mais diretamente relacionadas ao processo de democratização da sociedade. As/os integrante desta linha têm favorecido também opções de compromisso acadêmico com os movimentos, instituições políticas e outros atores sociais. Oferece, neste sentido, recursos documentais e bibliográficos, além da promoção e participação em cursos, eventos e encontros que contam com diversos setores da sociedade como as associações de bairro, pastorais sociais, organizações não governamentais (ONGs), organizações rurais, sindicatos, entidades voltadas para reivindicações de caráter feminista e ecologista, instituições educacionais e de planejamento e instituições estatais, conselhos gestores, etc.

 

O histórico com um balanço da produção do NPMS nos seus 30 anos encontra-se no texto abaixo, de autoria de Aline Guizardi Delesposte e Éder Rodrigo Gimenes, publicado no livro: SCHERER-WARREN, I; LÜCHMANN, L.H.H. (Orgs) Movimentos sociais e engajamento político: trajetórias e tendências analíticas. Fpolis: Editora da UFSC, 2015.

 

30 anos de pesquisa: balanço da produção acadêmica do Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais

Aline Guizardi Delesposte1
Éder Rodrigo Gimenes2

      Em 2013, o Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais da UFSC (NPMS) completou 30 anos de existência. Registrar a trajetória e o significado desse grupo, tarefa que nos coube e que muito nos honra, pareceu-nos, num primeiro momento, algo simples. Contudo, quando nos debruçamos sobre as atividades de documentar a produção teórica e empírica do Núcleo nas últimas três décadas, avistamos um desafio, uma vez que sua trajetória se confunde, por um lado, com a de seus participantes, de suas parcerias acadêmicas e com atores da sociedade civil, e, por outro, com sua inserção no debate teórico e produção de conhecimento no campo das ações coletivas e movimentos sociais.

      Em se tratando do momento de formação do Núcleo, o contexto político da década de 1980 foi marcado por manifestações e ações políticas que conduziram ao processo de transição democrática no Brasil. À época, emergiram discussões sobre a redemocratização, ao mesmo tempo que se iniciou a redefinição das relações estabelecidas entre o Estado e a sociedade civil, em um momento marcado pela criação de novos partidos e pelo surgimento de grupos organizados e de novas ondas de protestos, a exemplo do movimento das Diretas Já, que lutou pelo retorno da democracia representativa ao país. Em suma, o processo de redemocratização evidenciou múltiplas e distintas possibilidades de participação e contestação pelos cidadãos.

      Em âmbito local, o então Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ofereceu, no ano de 1983, uma disciplina denominada “Movimentos Sociais”. Sensíveis às crescentes mobilizações populares e diante de novas formas de organização comunitária e de grupos de discussão que começavam a surgir em Florianópolis e em Santa Catarina, assim como em outras partes do Brasil, um grupo de alunos da disciplina, interessados em buscar informações sobre o tema, de maneira sistemática e compartilhada, propuseram a criação de um fórum de debates para a compreensão e interpretação dessa nova realidade nacional. Tal grupo, majoritariamente constituído por pesquisadores vinculados ao estudo de questões teóricas e práticas de múltiplas formas de ações coletivas (mulheres, ecologistas e sem terra), compôs informalmente o que se tornaria, ainda em 1983, o Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais.
Inicialmente organizado pela docente responsável pela disciplina de Movimentos Sociais, Ilse Scherer-Warren, e a respectiva turma de alunos, o NPMS contou, ao longo dos anos, com a participação e colaboração mais continuada de diversos outros pesquisadores docentes, dentre os quais Eduardo José Viola, Paulo José Duval da Silva Krischke, Héctor Ricardo Leis, Sérgio Costa, Wivian Weller, Carlos Eduardo Sell, dentre outros, por períodos mais curtos, bem como de discentes da Graduação, Mestrado, Doutorado e Pós-Doutoramento. Desde a última década e até o presente se incorporaram como pesquisadores do Núcleo os docentes da UFSC Lígia Helena Hahn Lüchmann, Julian Borba, Raúl Burgos e, mais recentemente, Joana Célia dos Passos, Ernesto Seidl e Marilise L. M. dos Reis Sayão.

      Atualmente, o NPMS encontra-se vinculado à linha de pesquisa “Movimentos Sociais, Participação e Democracia” do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC e se dedica aos estudos sobre os movimentos sociais, a sociedade civil, o associativismo, a participação política, a democracia e/ou temas correlatos ou problemáticas associadas. Nessa linha estão alocados 15 acadêmicos de Pós-Graduação, sendo 11 doutorandos e quatro mestrandos, e ainda sete acadêmicos de Graduação da UFSC.

      O Núcleo tem multiplicado o número de pesquisadores com produção voltada para as temáticas acima mencionadas e outras emergentes, por meio de pesquisas de iniciação científica, monografias, dissertações e teses. Os docentes vinculados ao Núcleo possuem considerável número de livros escritos e/ou organizados, de capítulos em obras organizadas, de trabalhos apresentados em eventos nacionais e internacionais e de artigos publicados em periódicos de grande circulação e destaque tanto nacional quanto internacional. Além disso, o NPMS tem contribuído indiretamente para a consolidação de núcleos de pesquisas do gênero em outras universidades por meio da inserção profissional de seus ex-integrantes, além de estabelecer parcerias com a sociedade civil e instituições públicas, colocando também à disposição, para consulta pública, um acervo físico e digital de publicações e banco de dados sobre essas temáticas.

      Considerado tal contexto, o NPMS realizou, no ano de 2014, o IV Seminário Nacional sobre “Movimentos Sociais, Participação e Democracia”, em caráter comemorativo aos 30 anos de sua criação e funcionamento, tendo como temática “Movimentos sociais e participação no Brasil: diálogos transversais”. Com formato e expectativa relacionados à criação de espaços de diálogos capazes de privilegiar a troca de reflexões sobre diferentes aspectos da temática dos movimentos sociais e da participação no país, o evento contou, dentre outras atividades, com um fórum específico à apresentação do “Balanço das pesquisas do NPMS sobre movimentos sociais e participação”.

      O fórum, coordenado pelos autores deste capítulo, pretendeu ser um espaço de recuperação da memória e da produção do Núcleo ao longo de sua existência, de modo a sistematizar e contextualizar as atividades desenvolvidas a partir da construção de sua linha do tempo, tarefa complementada no evento por uma instalação com  painéis, exposição do histórico do NPMS, fotos de eventos anteriores, exposição de livros escritos ou organizados por docentes do Núcleo, dossiês temáticos produzidos sobre as temáticas pertinentes e depoimentos de ex-pesquisadores.

      Nesse sentido, o presente capítulo é fruto de nossa pesquisa para construção do referido fórum de diálogo3 e tem o intuito de evidenciar a relação estabelecida pelo Núcleo com as discussões ocorridas desde o processo de redemocratização até os dias atuais, com destaque às propostas teórico-metodológicas para o conhecimento das articulações de atores e movimentos sociais, ao fortalecimento de formas de participação política e institucional e à atualização das relações entre o Estado e a sociedade civil.

      A apresentação do balanço do NPMS segue disposta em diferentes momentos em nosso texto. Primeiramente, apresentamos dados quantitativos gerais da produção do Núcleo ao longo de seus 30 anos. Em outra seção, tratamos do detalhamento das pesquisas por décadas, a fim de demonstrar a evolução das temáticas analisadas de maneira longitudinal. Por fim, nos debruçamos sobre uma das principais questões que buscamos levantar com a discussão no fórum de diálogo que coordenamos: para onde caminha o NPMS?

Aspectos quantitativos da produção do NPMS

      Em se tratando da exposição da produção acadêmica do NPMS em termos quantitativos, entendemos ser relevante iniciarmos com uma explicação sobre a maneira como tal análise foi empreendida. O balanço abrangeu diferentes atividades de pesquisa e disseminação de resultados teóricos e empíricos decorrentes de trabalhos realizados no âmbito do Núcleo. Optamos por concentrar nossa análise sobre os projetos desenvolvidos, as dissertações e teses produzidas pelos acadêmicos de Pós-Graduação, os livros e capítulos publicados por docentes do Núcleo e os seminários realizados pelo NPMS, bem como seus desdobramentos em livros e dossiês temáticos.

      É importante mencionar que as formas pelas quais analisamos tal produção acadêmica não compreende a totalidade das atividades desenvolvidas. Orientações de projetos de iniciação científica, estágios e trabalhos de conclusão do Curso de Graduação em Ciências Sociais da UFSC e também os artigos publicados por docentes vinculados ao NPMS em periódicos nacionais e internacionais não foram contemplados em nossa explanação. Tal opção se justifica pelo propósito do fórum, de diálogo e exploração das temáticas discutidas por nossos pesquisadores, de modo que compreendemos que as atividades sobre as quais não nos debruçamos possuem profunda relação com aquelas informações que optamos por registrar e sobre elas discorrer, o que favoreceu atingirmos nosso objetivo mesmo não abrangendo todas as informações nesta análise.

      Nosso intuito, neste momento do texto, é destacar o volume da produção do NPMS no que diz respeito aos projetos desenvolvidos, às dissertações e teses confeccionadas por acadêmicos de Pós-Graduação e aos livros e capítulos de livros de autoria de docentes vinculados ao Núcleo. Porém, o detalhamento sobre tal produção, década a década, será apresentado na seção posterior. O Gráfico 1, abaixo, expõe o total de projetos, dissertações e teses, livros e capítulos de livros produzidos no âmbito do NPMS.

Capitulo Aline e Eder - Livro NPMS-1Gráfico 1. Produção acadêmica do NPMS por tipo (1983-2013)

Expomos primeiramente os projetos de pesquisa coordenados por docentes vinculados ao NPMS. Cabe destacar que as primeiras propostas foram desenvolvidas na década de 1990 e versaram sobre temáticas atuais à época: a relação entre associativismo e o processo de redemocratização do país, o papel das organizações não governamentais (ONGs) na construção da sociedade civil e dos conselhos gestores do município de Florianópolis, dentre outros. Desde então, dentre os 35 projetos desenvolvidos e em desenvolvimento, 31 são de pesquisa e outros quatro de extensão. As temáticas mais recorrentes entre os projetos realizados foram os movimentos sociais, a sociedade civil e a participação institucional, cujo destaque se dá por conta do grande número de estudos empreendidos desde a virada do século XXI. Cabe destacar que, dentre esses projetos, a maior parte recebeu financiamento de órgãos de fomento, em especial do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC) e da própria UFSC.

      Com relação às dissertações e teses produzidas no âmbito do NPMS, até dezembro de 2013 foram defendidos 96 trabalhos, sendo 83 dissertações de Mestrado e 13 teses de Doutorado, todas junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC. A temática referente aos movimentos responde por cerca de 31% desse conjunto, ao passo que a participação institucional corresponde a 24% da produção. Debates que abordam o associativismo e a sociedade civil correspondem, cada um, a aproximadamente 14% dos trabalhos e os demais 17% se referem a outros temas.

      Sobre a evolução das temáticas pesquisadas pelos pós-graduandos vinculados ao NPMS ao longo dessas três décadas, destacamos a manutenção das pesquisas envolvendo movimentos sociais, um maior enfoque às relações entre Estado e sociedade civil na segunda década, o crescimento das pesquisas sobre participação institucional e a pluralização dos temas de pesquisas com o passar do tempo, em especial a partir da segunda metade da década passada. Tal pluralização também é evidenciada quando nos debruçamos sobre as temáticas atuais de pesquisas acadêmicas vinculadas ao Núcleo, ponto que retomaremos na seção final deste capítulo.

      Por fim, no que tange aos livros e capítulos de livros escritos ou organizados por docentes vinculados ao NPMS, identificamos intensa produção nas últimas três décadas: 29 livros e 69 capítulos de livros. Dentre as temáticas mais abordadas, verificamos novamente a recorrência de publicações relacionadas aos movimentos sociais. E observamos que, com relação às dissertações e teses acadêmicas e também aos capítulos de livros, o maior número de trabalhos publicados nos últimos anos diz respeito a temas não categorizados de maneira individual em nossa proposta, o que reforça nosso argumento de pluralização das pesquisas desenvolvidas pelo NPMS na atualidade.

      Com vistas à identificação das temáticas mais recorrentemente analisadas, estabelecemos uma categorização dos principais temas de pesquisa em cinco grandes grupos: movimentos sociais, sociedade civil, associativismo, participação institucional e outros. O gráfico abaixo ilustra os valores por temáticas.

Capitulo Aline e Eder - Livro NPMS-2Gráfico 2. Produção acadêmica do NPMS por temática (1893-2013)

      A temática dos movimentos sociais se destaca no conjunto de projetos, dissertações, livros e capítulos produzidos no NPMS entre 1983 e 2013. A produção relacionada ao associativismo, à sociedade civil e à participação institucional, ainda que menor que a temática central do núcleo, também é relevante. Por fim, na categoria “outros” enquadramos toda a produção analisada cuja temática não diz respeito às quatro grandes categorias anteriores e cujo volume de material identificado foi baixo, se considerado separadamente. Nesse sentido, dentre os temas compreendidos neste último grupo, encontram-se participação política não institucional, ações afirmativas, partidos políticos e partidarismo, cultura política, comportamento eleitoral, políticas públicas e processos de reconhecimento social e cidadania.

Linha do tempo: evolução das pesquisas do NPMS ao longo das décadas

Quanto à análise da produção do NPMS de maneira longitudinal, seguimos o critério de exposição adotado para o fórum que originou este trabalho: apresentar a linha do tempo do Núcleo por períodos. Assim, consideramos em nosso tratamento os intervalos de 1983 a 1993, 1994 a 2003 e 2004 a 2013.

Capitulo Aline e Eder - Livro NPMS-3
Gráfico 3. Produção acadêmica do NPMS por período

Verificamos, ao longo das décadas, a elevação da produção acadêmica do NPMS. O conjunto de projetos, dissertações, teses, livros e capítulos de livros produzidos no período de 2004 a 2013 se apresenta cinco vezes superior àquele decorrente da década inicial de funcionamento do Núcleo, o que é resultado da expansão do NPMS não só em termos de número de docentes e discentes, mas também do amadurecimento de propostas teórico-metodológicas visando ao diálogo entre as pesquisas acadêmicas e o conhecimento que produzem sobre os objetos e sujeitos analisados e para a disseminação do conhecimento gerado ao longo de sua trajetória.

1983-1993

Na primeira década de funcionamento do NPMS, verificamos que os enfoques das pesquisas se concentraram sobre os processos de transição democrática e as novas oposições políticas, bem como na emergência de movimentos sociais rurais, com destaque às temáticas dos movimentos sem-terra, de atingidos por barragens e de mulheres agricultoras. Além desses, destacaram-se também pesquisas cujo objeto se relacionou à juventude e aquelas em torno das questões ambientalistas e interpretativas da visibilidade pública das lutas ecológicas.

Capitulo Aline e Eder - Livro NPMS-4

Gráfico 4. Produção acadêmica do NPMS por tipo e por temática no período 1983-1993

      No período, foram produzidas três dissertações sobre movimentos sociais que defendiam bandeiras ecológicas, duas que discutiram os processos de instalação de usinas hidrelétricas em Santa Catarina e no Amazonas, outra sobre o movimento feminista no Rio de Janeiro e três referentes a movimentos de agricultores, desapropriados e sem-terra. Houve ainda uma dissertação que se dedicou à análise da Pastoral da Juventude no estado de Santa Catarina, sob a perspectiva da formação de militantes dentro desse movimento popular. Cabe destacar que os debates teóricos sobre os Novos Movimentos Sociais (NMS), que se iniciaram na América Latina no fim da década de 80, contribuíram para trazer resultados em aplicações nas diversas pesquisas empíricas acima mencionadas.

      Em se tratando dos delineamentos da relação entre Estado e sociedade civil, foram estudadas, majoritariamente, entidades da capital Florianópolis. No entanto, também foram empreendidas dissertações sobre associativismo em Curitiba (PR), sobre participação institucional numa entidade estatal estadual, o então Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina (BADESC), e sobre um grupo de moradores organizados em conselhos comunitários na capital catarinense. Destacam-se ainda no período a produção de uma dissertação sobre o MDB/PMDB numa cidade do interior de Santa Catarina, analisado como partido de oposição que assumiu o governo, e de discussões, no âmbito da teoria política, relacionadas à teoria marxista dentro do jornalismo e às relações entre indivíduo e subjetividade sob a perspectiva neomarxista.

      O conjunto de pesquisas de Mestrado que se desenvolveram nesse período evidenciou a necessidade de identificar novas interpretações teóricas internacionais e regionais sobre os movimentos, as quais culminaram nas coletâneas Uma revolução no cotidiano? Os novos movimentos sociais na América Latina (1987), organizada por Scherer-Warren e Krischke, e Crise política, movimentos sociais e cidadania (1989), organizada por Scherer-Warren, Krischke e Viola, obras que sintetizaram também o percurso das reflexões teóricas dos docentes que integravam o Núcleo, especialmente em torno dos processos de democratização, tanto no sentido mais amplo da esfera pública quanto nos espaços de micro-poder social e em referência a identidades restritas (feministas, ecologistas, comunitárias, associativas, juvenis, atingidos por barragens, dentre outras), o que se evidenciou também nos temas das dissertações defendidas no período.

      Além dessas obras, Movimentos sociais: um ensaio de interpretação sociológica (1989) e Redes de movimentos sociais (1993), ambas de autoria de Scherer-Warren, sinalizaram algumas preocupações com questões da produção teórica relevantes à época. O segundo livro se destaca ainda pela sinalização da opção por um novo enfoque na área temática: a análise das redes sociais e, em especial, das redes de movimentos sociais.

      Dentre as parcerias e intercâmbios nesse período, cabe destacar a participação do NPMS em projetos e iniciativas de atores e organizações da sociedade civil, dentre as quais a participação no processo continuado da Semana Social Brasileira II, em nível local, estadual e nacional por meio de um trabalho de assessoria técnica, que resultou na publicação Sujeitos emergentes: práticas e valores (1993), por Scherer-Warren.

1994-2003

      A segunda década de funcionamento do NPMS apresentou expressivo aumento da produção acadêmica, bem como a defesa da primeira tese vinculada ao Núcleo, por conta da implantação do Doutorado em Sociologia Política na UFSC. Nesse período, prosseguiu-se com a produção sobre o associativismo civil, as identidades socioculturais, o multiculturalismo e a democracia e foram acrescidos novos temas aos debates, como a relação modernidade versus pós-modernidade e os movimentos sociais anti-globalização. Evidenciamos que o período compreende a realização dos primeiros projetos de pesquisa por parte do NPMS, bem como o início da produção voltada especificamente às análises sobre a sociedade civil.

Capitulo Aline e Eder - Livro NPMS-5
Gráfico 5. Produção acadêmica do NPMS por tipo e por temática no período 1994-2003

      Houve pesquisas em torno do processo de democratização no interior dos movimentos sociais e em suas relações no espaço público, bem como as articulações dos atores e organizações sob a forma de redes de conexão local-global. Nesse contexto, verificamos a diversificação dos movimentos sociais analisados: além de organizações com bandeiras vinculadas a questões ambientais, feministas e ao direito à terra, foram
pesquisados também movimentos em defesa de crianças e adolescentes, de meninos e meninas de rua, e ainda de trabalhadores na área de educação no estado de Santa Catarina e sobre o Movimento Neo-Zapatista de Chiapas (México), que resultou numa dissertação premiada no Brasil4.

      No que diz respeito às relações entre Estado e sociedade civil, ocorreu a pluralização das formas de contato, tanto pelo fortalecimento de ONGs e movimentos sociais quanto pelas novas institucionalidades decorrentes da criação dos Conselhos Gestores e da experiência do Orçamento Participativo, surgida em Porto Alegre, no fim do século passado.

      Dentre as pesquisas realizadas, destacamos aquelas que trataram do perfil de lideranças de entidades sociais, do imaginário social sobre a democracia entre tais atores, de grupos que fundaram associações para tratar de problemas comunitários como saneamento básico, reciclagem de lixo e apoio a adolescentes grávidas, e ainda estudos teóricos que se debruçaram sobre a concepção do chamado Terceiro Setor no Brasil e de relações estabelecidas entre associativismo e grupos religiosos, entre a participação institucional e a teoria da escolha racional e entre o empresariado brasileiro e questões ambientais.

      As obras coletivas do NPMS, nesse período, trazem os resultados de pesquisas empíricas e do aprofundamento do debate teórico em torno das questões da democracia, globalização e do multiculturalismo, como as que foram publicadas nos livros Democratização em Florianópolis: resgatando a memória dos movimentos sociais (1999) e A democratização inacabável: as memórias do futuro (2000), ambas parcerias internacionais de Scherer-Warren com o sociólogo Jean Rossiaud, de Genebra, que trouxeram à tona as vozes de sujeitos expressivos dos processos de democratização no Brasil.

      Da mesma maneira, destaca-se o livro Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania: desafios para as Ciências Sociais (1995), organizado por Viola e Scherer-Warren, referência nos estudos do NPMS ao longo de suas primeiras décadas de existência.

      Vale ainda mencionar, na linha do associativismo civil e das redes local-global, a produção dos livros Organizações voluntárias em Florianópolis: cadastro e perfil do associativismo civil (1996), obra coletiva organizada por Scherer-Warren, e na Cidadania sem Fronteiras: ações coletivas era da globalização (1999), de Scherer-Warren, assim como a coletânea Cidadania e multiculturalismo: a teoria social no Brasil contemporâneo (2000), a qual resultou de uma parceria do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC com a Universidade Técnica de Lisboa, em Portugal, organizada por Scherer-Warren, Costa, Leis e Tamara Benakouche.

       Ademais, ressaltamos ainda a obra coletiva Associativismo civil em Santa Catarina (1999), organizada por Scherer-Warren, produto de parcerias estabelecidas no interior do Projeto Rizoma, do Plano Sul de Pesquisa (CNPq/Funcitec), e a obra Modernidade crítica e modernidade acrítica (2001), organizada por Scherer-Warren, Leis e Costa, produzida em decorrência de um workshop promovido por docentes da linha de pesquisa na qual o Núcleo se insere.

      Nesse período, é necessário destacar a participação mais continuada do NPMS junto a algumas ONGs locais de Florianópolis, como o Centro de Estudos Cultura e Cidadania (CECCA) e a ONG Diálogo – Cultura e Comunicação, dentre outras. Da interação com essas ONGs decorreu a iniciativa para a criação de uma Agenda 21 Local. Por fim, mencionamos a criação da REDEMS, uma rede virtual para intercâmbio de ONGs, centros e núcleos de pesquisa em movimentos sociais, criada em 2003, por ocasião do Seminário Rizoma.

2004-2013

      A terceira década, mais recente, reafirma a tradição do NPMS em realizar pesquisas relacionadas a movimentos sociais, assim como sinaliza o destaque da participação institucional nos estudos sobre engajamento político e democracia no Brasil e em outros países da América Latina. Sobre os movimentos sociais, destaca-se a diversidade de temas analisados, como o cyberativismo, a Marcha da Maconha e grupos vinculados a questões de gênero e raciais.

Capitulo Aline e Eder - Livro NPMS-6
Gráfico 6. Produção acadêmica do NPMS por tipo e por temática no período 2004-2013

      Quanto à participação institucional, há estudos sobre experiências de Orçamento Participativo (OP), Conselhos Gestores e Conferências em Santa Catarina, bem como sobre o Conselho Nacional de Segurança, o Fórum Nacional de Reforma Urbana, os discursos sobre a influência da sociedade civil transnacional na Conferência Rio-92 e os conselhos comunais na Venezuela. Nesse período tivemos uma dissertação que obteve menção honrosa5.

      Foram produzidas ainda discussões acerca do comportamento dos brasileiros em termos de atividades contestatórias, sobre o debate entre intelectuais em torno das políticas de ação afirmativa para estudantes negros no Brasil e, mais especificamente, sobre tal prática na UFSC e o papel do movimento negro nas lutas por políticas compensatórias e, ainda, sobre direitos humanos no Brasil e no Peru.

      No que diz respeito às publicações de livros coletivos do NPMS, as obras refletem, de certo modo, a multiplicidade de temas que destacamos e apontam diferentes tipos de organização e articulação no campo da sociedade civil, especialmente no que se refere aos processos e estruturas participativas. Os impactos de experiências organizativas apresentados em Orçamento participativo: análise das experiências desenvolvidas em Santa Catarina (2007), organizado por Borba e Lüchmann, demonstram índices de experimentos promissores de gestão pública de políticas públicas no estado e discorrem acerca dos impactos desse tipo de participação no processo de aprendizado político e social junto aos OPs.

      Mais recentemente, a coletânea Relações raciais: os controversos caminhos da Inclusão (2014), organizada por Joana Célia dos Passos em parceria com Scherer-Warren, apresenta reflexões e resultados iniciais de uma pesquisa mais ampla que integra o Programa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCT-I) e expõe discussões sobre a política pública de cotas e ações afirmativas no ensino superior e as suas relações com os movimentos sociais negros e indígenas, com atenção especial ao caso da UFSC. Mencionamos aqui a pesquisadora Joana Passos, primeira pós-doutora titulada no âmbito do NPMS, que analisou a cultura acadêmica curricular da UFSC e suas configurações derivadas da presença de estudantes negros no cotidiano da universidade, após a implantação das ações afirmativas, considerando as atividades de ensino.

      A última década se destaca também pela realização de seminários nacionais pelo Núcleo. O ano de 2004, em que o NPMS completou 21 anos, foi marcado pela realização do I Seminário Nacional sobre “Movimentos Sociais, Participação e Democracia”, na qual foi possível estabelecer diálogos efetivos com pesquisadores e atores relacionados às temáticas abrangidas. À época foram abordadas questões relativas à formação de uma rede de participação e inovação institucional, bem como às diferentes interfaces das relações estabelecidas entre movimentos sociais, Estado e mercado, no que tange à participação e à democracia. Salienta-se ainda um produtivo debate sobre democracia participativa e inovação institucional.

      O seminário, que teve em suas mesas redondas convidados de diferentes instituições de ensino e de movimentos sociais negro, feminista e popular e da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG), reuniu cerca de 100 participantes e contou com a exposição de 49 papers nos grupos de trabalho (GTs) intitulados “Movimentos sociais: novos olhares, perspectivas e desafios”, “Participação
social e democratização do Estado” e “Participação, empoderamento e cidadania”. Como resultado das falas dos convidados das mesas-redondas e dos trabalhos expostos nos GTs, o NPMS organizou um dossiê na revista “Política & Sociedade”, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC.

       O dossiê Movimentos sociais, participação e democracia foi composto por dez artigos, cujas temáticas versaram sobre as continuidades e mudanças na centralidade dos movimentos sociais nas discussões políticas nacionais, a institucionalização da sociedade civil, as novas formas de participação política via governança interativa e a influência da relação entre capital social e cultura política sobre a participação política no Brasil.

      Nesse período também foi publicado o livro Associativismo civil em Santa Catarina: trajetórias e tendências (2004), organizado por Iara Maria Chaves em conjunto com Scherer-Warren, fruto de uma parceria de pesquisa entre o NPMS e o Núcleo de Pesquisa e Extensão em Movimentos Sociais da FURB/Blumenau, que reuniu em seus dez capítulos distintas discussões teóricas e empíricas sobre movimentos sociais, participação e associativismo frente a questões comunitárias, identitárias, religiosas, escolares, ambientais e de gênero, demonstrando a capilaridade de demandas e organizações da sociedade civil militantes no estado.

      No ano de 2007, o II Seminário Nacional sobre “Movimentos Sociais, Participação e Democracia” foi realizado com o intuito de dar prosseguimento à agenda de trabalho constituída a partir do evento anterior. O seminário teve uma acolhida ampla e se consolidou como uma iniciativa de debate acadêmico relevante na área de pesquisa em Movimentos Sociais, Participação e Democracia. Além de uma participação crescente de membros do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política e de outros programas da UFSC, contou com uma participação ainda mais significativa de outros Programas e Centros de Pesquisa, tanto brasileiros quanto de outros países da América Latina.

      As mesas redondas do seminário foram dedicadas a debates sobre a relevância dos movimentos sociais para o fortalecimento da democracia, sobre a relação entre participação e teoria democrática e sobre o papel da democracia diante do reconhecimento de diferenças e desigualdades. O evento, que reuniu aproximadamente 200 pesquisadores, contou ainda com quatro GTs, mantidos os três existentes na edição inicial e acrescido de um GT de “Políticas de reconhecimento e ações afirmativas”, nos quais foram apresentados cerca de 150 papers. O evento realizado em 2007 culminou já em duas publicações: um novo dossiê na revista “Política & Sociedade” e o livro Movimentos Sociais, participação e reconhecimento.

      No dossiê foram congregados trabalhos que versaram sobre a relação entre exclusão social, cidadania e movimentos sociais, o reconhecimento da cidadania por meio de ações afirmativas, os papeis dos movimentos sociais, do associativismo e dos partidos políticos na representação e participação políticas e as interfaces dos modelos de democracia participativa e deliberativa com justiça social, pobreza, inclusão política, contestação, republicanismo e liberalismo.

      Já no livro Movimentos Sociais, participação e reconhecimento (2008), organizado por Lüchmann, Sell e Borba, foram incluídos trabalhos que se destacaram entre os apresentados no II Seminário, cujos conteúdos competem, em alguma medida, à temática daquele evento. Nesse sentido, a coletânea reuniu 11 papers que versaram sobre a construção identitária no movimento ambientalista e na discussão sobre direitos humanos no Brasil, a relevância dos processos de aprendizagem e educação em movimentos agrário e ribeirinho, a inclusão feminina no Legislativo e em práticas participativas, o uso da internet por movimentos sociais, o controle social sobre deliberações em conselhos gestores e o posicionamento da mídia frente às ações afirmativas e cotas raciais no país.

       Diante do crescimento do evento, a edição realizada em 2010 sofreu uma alteração de formato, por conta do envolvimento de pesquisadores estrangeiros tanto no seminário anterior quanto em pesquisas e parcerias estabelecidas pelo NPMS. Realizamos o I Seminário Internacional e III Seminário Nacional sobre “Movimentos Sociais, Participação e Democracia”, com maior público, maior número de trabalhos apresentados e mesas, conferências e uma sessão especial com a participação de pesquisadores de instituições de ensino da Espanha, Colômbia, Venezuela, Argentina e Estados Unidos, além do Brasil. O evento reuniu cerca de 300 pesquisadores e debateu em suas mesas a questão dos movimentos sociais e os estudos pós-coloniais, e ainda experiências internacionais de participação institucional. Destaca-se a realização de um fórum promovido pela Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS) em sessão especial, o qual versou sobre os movimentos sociais e a democracia nas fronteiras latinoamericanas. As duas conferências ocorridas no seminário ficaram a cargo de pesquisadores internacionais: Fernando Calderón, investigador vinculado à Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO) da Argentina e ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que discorreu sobre os novos movimentos socioculturais e a emergência de uma nova politicidade na América Latina, ao passo que Sidney Tarrow, docente da Cornell University dos Estados Unidos, proferiu conferência acerca de movimentos globais convencionais e contestatórios como temas controversos para pesquisas sobre política.

      Nos GTs do III seminário foram expostos novamente cerca de 150 trabalhos de pesquisadores nacionais e de diversos países latino-americanos, distribuídos em grupos que se centraram nas temáticas “Movimentos sociais face às desigualdades e diferenças”, “Atores sociais, instituições participativas e democracia” e “Sociedade civil, políticas de reconhecimento e de inclusão social”.

      Em decorrência dos papers discutidos no evento, Scherer-Warren e Lüchmann organizaram o livro Movimentos Sociais e participação: abordagens e experiências no Brasil e na América Latina (2011), cujos capítulos contemplaram explanações sobre uma abordagem pós-colonial dos movimentos sociais, a construção do movimento indígena no Brasil, a relação entre os movimentos negros e as políticas de ações afirmativas nas universidades do país, o envolvimento do movimento por moradia na eleição para o Conselho Municipal de Habitação de São Paulo, as interfaces entre associativismo civil e representação democrática, os Conselhos Comunais Venezuelanos e os determinantes da participação em Orçamentos Participativos (OPs) em Porto Alegre e Montevidéu (Uruguai).

      No mesmo ano (2011) foi publicado na revista “Política & Sociedade” o dossiê Movimentos sociais e participação institucional, que reuniu textos escritos pelos convidados das mesas e conferências realizadas no I Seminário Internacional e III Seminário Nacional sobre “Movimentos Sociais, Participação e Democracia”. O dossiê contemplou discussões sobre a necessidade de uma nova agenda de pesquisas sobre movimentos sociais, o avanço do pensamento pós-colonialista em sociedades anteriormente submetidas ao domínio estadunidense ou de países europeus, as ações coletivas e a participação da sociedade civil na esfera pública na América Latina, e as experiências da produção de saberes do movimento negro no Brasil, da institucionalização da participação na Colômbia e dos Conselhos Comunais na Venezuela.

Ainda no sentido de discutir questões contemporâneas, o NPMS promoveu, no ano de 2013, outro seminário, com formato e proposta distintos dos grandes seminários anteriores, denominado “Processos participativos e mobilizações: entre dinâmicas e debates transnacionais e ações coletivas locais”. Com o propósito de discutir o funcionamento e práticas participativas institucionais, as mobilizações e movimentos sociais em Portugal, na Itália e no Brasil, o evento reuniu pesquisadores do Centro de Estudos Sociais (CES – Portugal), Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES – Portugal), da Organização Sociolab (Itália) e da UFSC e evidenciou, além da estrutura e dos resultados de experiências internacionais, a importância do Brasil como referência de modelos de participação institucionalizada na esfera pública.
No mesmo ano, diante de uma série de manifestações que tomaram as ruas do Brasil, principalmente no mês de junho, o NPMS organizou um debate intitulado “Manifestações e protestos de rua”, em formato de mesa-redonda, em que pesquisadores que se dedicam aos temas da participação política, do papel da mídia no contexto político, da juventude e dos movimentos sociais dialogaram com uma representante do Movimento Passe Livre (MPL), grupo responsável pela organização dos primeiros protestos e principal articulador da pauta de redução da tarifa de transporte coletivo em importantes cidades brasileiras naquele momento.

Para onde caminha o NPMS? Perspectivas para o avanço das pesquisas sobre movimentos sociais, participação institucional e sociedade civil

      Considerando as alterações nas categorias temáticas com maior número de pesquisas desenvolvidas ao longo das últimas três décadas no NPMS, bem como sua pluralização especialmente no período recente, verificamos atualmente grande capilaridade de objetos e sujeitos sob análise. Em se tratando de movimentos sociais, há estudos em andamento relacionados a grupos de mulheres, de assentados, de atingidos por barragens, de indígenas e sobre a Marcha da Maconha, dentre outros.

      Quanto à participação institucional, as discussões se ocupam de questões nacionais relacionadas ao Sistema Nacional de Participação Social e às Políticas Nacionais de Assistência Social. Inauguram-se, também, além da ampliação do escopo para a escala nacional, estudos que se orientam para a compreensão da multidimensionalidade do fenômeno da participação, explorando as interfaces e relações entre as diferentes modalidades, seja em protestos, movimentos sociais, instituições participativas e no sistema eleitoral.

      A temática dos partidos políticos também se destaca atualmente. Encontra-se em desenvolvimento uma pesquisa sobre a influência dos partidos políticos de esquerda no Brasil e em Portugal, bem como teses que se dedicam à discussão do partidarismo no Brasil e na América Latina, estabelecendo um diálogo entre tais instituições e a participação política individual, e especificamente com relação à presença de jovens no Poder Legislativo brasileiro no período democrático mais recente. Ainda em se tratando de participação política, identificamos pesquisas sobre o comparecimento eleitoral no país e na América Latina e uma discussão sobre a relação estabelecida entre sociedade civil e exploradores de atividades de mineração em Minas Gerais.

      Por fim, destacamos a relevância dos estudos sobre ações afirmativas e cotas sociais, alvos de pesquisas acadêmicas em desenvolvimento nos âmbitos de Mestrado e Doutorado, e também a pertinente discussão em torno do declínio da hegemonia estadunidense na América Latina frente às lideranças brasileira e venezuelana no contexto da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL).

       Em consonância com tal heterogeneidade de pesquisas em andamento, o IV Seminário Nacional “Movimentos sociais e participação no Brasil: diálogos transversais”, com formato distinto daquele das versões anteriores, privilegiou mesas redondas e apresentou como inovação a criação de espaços de diálogo, visando à troca de reflexões sobre diferentes aspectos das temáticas dos movimentos sociais e da participação no país. O encontro, que reuniu em torno de 250 pesquisadores, ambicionou provocar debates mais próximos entre perspectivas teóricas e pesquisas atuais, através de inspirações e questões formuladas pelos(as) diferentes convidados(as) nas mesas redondas e nos fóruns, além de tornar pública a recuperação da memória e das reflexões desenvolvidas pelo NPMS durante suas três décadas de existência.

      Em suas mesas, o seminário promoveu discussões em torno das principais temáticas e enfoques das pesquisas sobre movimentos sociais e sociedade civil no Brasil, sobre as interações entre sociedade civil e participação institucional e ainda quanto às relações entre movimentos sociais e manifestações de rua. Dentre as falas dos convidados, identificamos importantes “pistas” teórico-metodológicas a serem desenvolvidas em pesquisas futuras, sobre as quais não nos deteremos neste capítulo pelo fato de que as mesmas são competentemente tratadas em outros capítulos deste livro pelos próprios convidados das mesas, bem como no dossiê de um novo número da Revista “Política & Sociedade”.

      Para além das mesas, o IV Seminário Nacional apresentou como inovação a constituição de três fóruns de diálogos. O primeiro abarcou a proposta de criação de uma rede de pesquisa e debate entre núcleos de pesquisa em movimentos sociais e participação sociopolítica, com vistas à ampliação das articulações entre os diversos grupos de pesquisa que estudam temas relativos aos movimentos sociais, à sociedade civil e à participação política em diferentes regiões do país. Com base no mapeamento de 106 grupos de instituições de ensino e pesquisa das cinco regiões do país, foram convidados líderes e representantes desses grupos para um diálogo que vislumbrou identificar os principais problemas de pesquisa que vêm norteando esse campo de estudos no país, bem como o estabelecimento de contatos que culminaram no início dos trabalhos de constituição de uma rede de pesquisas em movimentos sociais, sociedade civil e participação política.

      O segundo fórum, como mencionamos no início deste capítulo, teve como objetivo apresentar um balanço da produção do NPMS ao longo dos seus 30 anos de existência, destacando-se as temáticas mais pesquisadas, os diversos objetos analisados, capítulos e livros publicados e os seminários anteriores. Para além de tal intento, cujo conteúdo é contemplado neste capítulo, o fórum foi também espaço para depoimentos de ex-pesquisadores cuja trajetória acadêmica esteve atrelada em algum momento ao NPMS, socializando no evento suas experiências de pesquisa e a importância do conhecimento adquirido em sua passagem pelo Núcleo para a continuidade de sua vida pessoal e profissional.

      Já o terceiro fórum vislumbrou um diálogo com atores dos movimentos sociais, de modo a identificar perspectivas e desafios atuais e oferecer um espaço de troca e de socialização de suas práticas a partir da exposição dos desafios que enfrentam na atualidade.

      A análise da produção acadêmica do NPMS, relativamente aos projetos desenvolvidos, às dissertações e teses defendidas e aos livros e capítulos de livros publicados ao longo do período de 1983 a 2013, ajuda-nos a refletir para onde caminha o Núcleo, uma vez que sua trajetória é permeada pela pluralidade e capilaridade temática que o caracterizaram desde sua criação até a realização do último seminário nacional, em 2014. Se pudermos arriscar uma resposta à questão levantada no início deste capítulo, afirmaríamos que o Núcleo se move no sentido de analisar as relações entre atores no interior dos movimentos sociais, da sociedade civil e das esferas participativas institucionais, não apenas per se, mas em suas relações com os outros atores, modalidades e instâncias políticas e sociais.

Notas

1 Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa (UFV)/MG. Doutoranda em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais (NPMS – UFSC).

2 Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/PR). Doutorando em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais (NPMS – UFSC) e do Núcleo de Pesquisas em Participação Política (NUPPOL – UEM).

3 Agradecemos aos discentes de Graduação em Ciências Sociais e de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC que nos auxiliaram na coleta dos dados que subsidiaram o fórum e contribuíram para a construção deste capítulo: André Selayaran Nicoletti, Catiúscia Custódio de Souza, Elizabete Sara Siqueira Hergenrader, Eric Araújo Dias Coimbra, Maria Lauri Prestes da Fonseca, Márcia Inês Schaefer, Marina Reche Felipe e Vinícius Ramos Lanças.

4 De autoria de Carlos Gadea, (1999), O ideal comunitário como resistência à modernidade global. um estudo sobre o Movimento Neo-Zapatista de Chiapas. Prêmio SOBER de Melhor Dissertação de Mestrado em Sociologia, 2000.

5 De autoria de Domitila Costa Cayres (2009), Sociedade civil e Estado: a autonomia revisitada. Menção honrosa no Concurso Brasileiro ANPOCS de Teses e Dissertações Universitárias em Ciências Sociais (2010).

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